REFLEXÃO
SOBRE LINGUAGEM MATERNA E LINGUAGEM MATEMÁTICA
A
propósito da Matemática é comum ouvirmos termos e expressões como as que se
seguem: "a matemática é uma linguagem abstracta", "a linguagem
da matemática é de difícil compreensão aos alunos", "a linguagem da
matemática é precisa e rigorosa". Sendo a matemática uma área do saber de
enorme riqueza, é natural que seja pródiga em inúmeras facetas; uma delas é,
precisamente, ser possuidora de uma linguagem própria, que em alguns casos e em
certos momentos históricos se confundiu com a própria matemática. Na realidade,
esta linguagem é um meio de comunicação possuidor de um código próprio, com uma
gramática e que é utilizado por uma certa comunidade. Esta linguagem tem
registos orais e escritos e, como qualquer linguagem, apresenta diversos níveis
de elaboração, consoante a competência dos interlocutores: a linguagem
matemática utilizada pelos "matemáticos profissionais", por traduzir
ideias de alto nível, é mais exigente do que a linguagem utilizada para traduzir
ideias numa aula ou em uma convers informal. Da mesma forma, a linguagem
natural assume registos de complexidade diferente dependendo da competência dos
falantes. A comparação que se faz entre a linguagem materna (natural) e a linguagem da Matemática, apresenta diferenças marcantes. Desde logo,
porque a linguagem matemática não se aprende a falar em casa, desde tenra idade
– aprende-se, isso sim, a utilizar na escola. A aprendizagem da matemática
apresenta, também, diferenças quando comparada com a aprendizagem de uma
segunda língua natural – que habitualmente também ocorre numa escola – pois não
encontramos, no dia-a-dia, um grupo de falantes que a utilize, em
exclusividade, para comunicar. A linguagem da matemática carece pois do
complemento de uma linguagem materna.
Na
verdade, a linguagem matemática dispõe de um conjunto de símbolos próprios,
codificados, e que se relacionam segundo determinadas regras, que supostamente
são comuns a uma certa comunidade e que as utiliza para comunicar. Porque os falantes
são dotados da capacidade de falar, a linguagem da matemática dispõe de um
registro oral e, assim, podemos falar de uma linguagem matemática oral. Esta
linguagem utiliza a língua natural como língua suporte. Embora com diferenças,
a linguagem escrita da matemática tem um caráter mais universal do que a
linguagem oral.
As
práticas dos professores têm uma forte componente de linguagem. Estas práticas
estão muitas vezes embebidas das visões e dos valores dos professores, de entre
outras, sobre o lugar da linguagem e da comunicação no ensino e na aprendizagem
da matemática. A linguagem da aula de matemática, além das concepções dos
professores, é influenciada por outros fatores, como sejam as aprendizagens
anteriores dos alunos, o nível sócio-cultural e a formação de professores.Daí a
qualidade do trabalho desenvolvido por uma turma, e consequentemente o tipo de
linguagem e a qualidade da comunicação, depende, em grande medida, da forma
como o professor organiza as situações de ensino/aprendizagem, da forma como
organiza o trabalho dos alunos, de como os orienta e das tarefas que apresenta
(linguagem).Cabe ao professor encontrar tarefas que sejam equilibradas para
cada tipo de alunos, ou seja, que sejam abordáveis por estes mas, ao mesmo
tempo, desafiantes. As tarefas rotineiras, vulgarmente designadas por
exercícios, não são, normalmente, geradoras de grande discussão entre os
alunos, uma vez que o modo de resolução assenta num algoritmo já conhecido
destes. As tarefas demasiado difíceis para os alunos sem nenhum tipo de familiaridade são, no outro oposto, inibidoras do
desencadear da comunicação, que na maior parte dos casos bloqueiam totalmente.
É
necessário que o professor escute os alunos e lhes peça para explicitarem o seu
pensamento, pois se querem ajudar os alunos a valorizarem a Matemática, de
forma a tirarem partido do seu poder, é fundamental mudarem as suas práticas,
dando tempo para os alunos explorarem, formularem problemas, desenvolverem
estratégias, fazerem conjecturas, raciocinando sobre a validade dessas
conjecturas, discutirem, argumentarem, preverem e colocarem questões. Esta nova
visão da comunicação na sala de aula, pressupõe um outro tipo de discurso. O
professor, como principal responsável pela organização do discurso da aula, tem
aí um outro papel, colocando questões, proporcionando situações que favoreçam a
ligação da Matemática à realidade, estimulando a discussão e a partilha de
ideias.
Débora Cristina Virgilino Cruz
Novembro/2015